Autor: Walter Santos¹
Nos dias atuais ouvimos muitas críticas àqueles que optam pela carreira de educador, e vindas de pessoas que chegam ao cúmulo de tentar desestimular os corajosos seres humanos que por ela optam. Os amantes da Pedagogia então, esses são guerreiros.
Eles, os educadores, são criticados por não escolherem uma profissão que possa lhes projetar socialmente e financeiramente. A resistência é encontrada até no seio da própria casa, lugar do seu aconchego. Vítimas do preconceito descabido!
Saio em defesa de um dos mais belos ofícios exercidos na sociedade onde estamos inseridos. Esta que reserva os melhores lugares aos mais instruídos academicamente. E estas questões me fazem refletir a respeito da profissão Educador.
Poderia começar perguntando aos críticos ferrenhos desta profissão, àqueles, os supostamente bem formados, e àqueles outros nem tão bem formados assim: por onde começaram as suas carreiras? Com certeza foi pelo bê-a-bá e não por outro módulo qualquer. Aliás, todos os que criticam aqueles que optaram pelo curso de educadores, se sabem o bê-a-bá ao menos, foi graças a um educador que mesmo talvez sem ter a formalidade do curso superior de Pedagogia cumpriu o papel de Pedagogo. Basta lembrarmos que a exigência de curso de graduação para o exercício da profissão de educador na educação básica brasileira é relativamente recente.
Muitas das críticas proferidas se dão pelo simples motivo desses críticos não saberem sequer, o que seria interdisciplinaridade, transversalidade. Se assim o soubessem, não as fariam da forma como fazem. E mal sabem eles que no exercício dos seus ofícios, depois que pegarem o tal diploma, se quiserem ter algum sucesso profissional terão que se utilizar ao menos do mínimo de Pedagogia. Pensam que ser educador é ser uma coisa qualquer. Ora, ser educador é ser reflexivo, investigativo, um descobridor de possibilidades. Tarefa difícil para muitos ditos “doutores”.
As pessoas têm o direito de escolher a carreira que almejarem e no tempo que elas quiserem. Mas, me parece claro que nem sempre buscamos uma profissão, mas sim títulos. Mas títulos assim, puramente títulos, são ineficazes.
Canudo guardado na redoma ou empoeirado é inútil, não faria falta se fosse rasgado. Muitos dos nossos primeiros educadores não os tiveram, entretanto exerceram seus ofícios de maneira exemplar. Esse canudo empoeirado no máximo poderá livrar o seu dono de se hospedar em companhia de alguns detentos caso venha a ser detido. Até lhe dará direito a uma cela especial. Que presentão, não? Uma cela especial!
Mas muitas vezes as pessoas mais preconceituosas são aquelas “abençoadas” que se livraram da carreira educacional. Mas, vale lembrá-las que ali não estariam se fossem, por exemplo, analfabetas. Aliás, no segmento educacional a pedagogia me encanta, pois vejo que ela encontra, não raramente, um indivíduo vazio de conhecimento no sentido da alfabetização e vai construir nele a base para que sobre ela se apoie o peso de todos os diplomas e realizações futuras do mesmo. É que base mal feita, já se sabe no que dá! Mas quais diplomas? De quais realizações estamos falando?
Falamos de médicos, advogados, administradores, delegados, juízes e outros tantos. Esses que falam bem ou que são chamados equivocadamente de “doutores”, salvo algumas exceções. Esses são tidos como bem-sucedidos. Aliás, o que não faltam são médicos, advogados, administradores que não são doutores e muito menos bem-sucedidos. Doutores são aqueles que estudaram além da graduação normal e obtiveram o suado grau de doutorado. É que quando você se refere a alguém como "doutor" a impressão que se tem é que ele quase sempre está acima de você, que é bem-sucedido e que tudo sabe e que você é um eterno dependente e a quem deve prestar reverência. É conforme a jornalista e documentarista Eliane Brum² se posiciona:
“Historicamente, o ‘doutor’ se entranhou na sociedade brasileira como uma forma de tratar os superiores na hierarquia socioeconômica – e também como expressão de racismo. Ou como a forma de os mais pobres tratarem os mais ricos, de os que não puderam estudar tratarem os que puderam, dos que nunca tiveram privilégios tratarem aqueles que sempre os tiveram. O ‘doutor’ não se estabeleceu na língua portuguesa como uma palavra inocente, mas como um fosso, ao expressar no idioma uma diferença vivida na concretude do cotidiano que deveria ter nos envergonhado desde sempre.”
Mas, no contexto onde vivemos, eles não existiriam assim como existem, se não existisse o professor. Vou além: se não existisse primeiramente o paciente e dedicado Pedagogo. Sim, são eles que ensinam primeiramente aos médicos, aos advogados, aos administradores, aos juízes e também aos geógrafos. Todos começaram pelo bê-a-bá. Sem educadores, sem doutores!
Vejam que na minha formação e no exercício do meu ofício, mesmo que não diretamente como educador dentro de uma escola, é certo que eu não conseguiria avançar muito com analfabetos. Mas, sem educador, nada feito, seria praticamente impossível! Nessas questões educacionais ninguém começa pelo fim.
Para ser doutor bem-sucedido tem que estudar muito, não tem? Pois é, então tem que ser alfabetizado, não? E para ser educador tem que estudar quanto?
Mas o preconceito não está exatamente e simplesmente no nome do curso pelo qual os seus fiéis amantes optaram, mas injustamente está no “quanto ele vale no mercado”. Mas o quanto ele vale no mercado é um pensamento medíocre porque isso é flutuante. Para mim, relevante é refletir o quanto seu efeito agrega ao mercado e à sociedade num âmbito global. Isso porque aqui neste lugar você pode valer pouco, mas logo ali naquele lugar ao lado você pode valer muito. Dessa forma, o seu valor será estipulado de acordo com o valor que o administrador contratante dá à educação.
O quanto ele “vale no mercado” pode perigosamente conduzir ao equívoco. É que muitos buscam uma carreira bem remunerada, aquelas que enriquecem as pessoas. Se,é assim, então na verdade podem não estar buscando uma carreira bem-sucedida. Há claramente uma distinção entre realização pessoal (sucesso) e remuneração (dinheiro).
Inegavelmente, todos os profissionais devem ser bem remunerados, entretanto, não compartilho com aqueles que buscam a maior remuneração possível apenas pela remuneração em si.
Assim falando, eis aí a raiz do preconceito. Sabe o porquê de tanto preconceito? Explico: é porque educadores no contexto em que vivemos não são lá recompensados com uma remuneração expressiva, digna do “peso” que o resultado do seu ofício exerce no mercado. Mas se ganhassem bem, certamente as faculdades estariam lotadas de gente, seres humanos ávidos pelo canudo de educador.
Porém meus caros, pelo simples diploma, por exemplo, os advogados, os administradores, os doutores também não têm boa remuneração. Está sobrando advogados, administradores e outros profissionais na praça.
Querem exemplo? Pois bem, há pouco tempo na cidade do Rio de Janeiro, a Comlurb, companhia que cuida da manutenção da limpeza urbana da cidade, abriu seu concurso público para contratação de garis com uma remuneração nada surpreendente. Surpresa foi quando se viu que dezenas de doutores advogados, administradores e outros nele estavam inscritos.
A crítica aqui não vai de encontro ao ofício de gari, pois ele não é menos digno que nenhum outro qualquer, aliás, eles fazem o que muitos não teriam coragem de fazer, mas pelo fato de que esses também passam por preconceitos semelhantes aos educadores. Deveriam ser bem remunerados!
É como se ouvissem com frequência: “Será que não poderiam ter escolhido ofícios mais dignos?”. Não me canso de afirmar: o canudo por si só não lhe vale nada! Muitas pessoas são “bem-sucedidas” financeiramente não exatamente por causa do canudo em si, mas porque o utilizam para esconder suas falcatruas.
Mas não se esqueça de que você também poderá ser um educador bem remunerado. Mais do que isso, pode ser bem-sucedido. Ser bem-sucedido é ver o bom resultado que o seu trabalho causou e o quanto transformou a sociedade.
Mais vale ser um educador que trabalha com dignidade, fazendo o país crescer, colaborando e transformando pessoas em seres humanos repletos do conhecimento e a caminho do sucesso do que, por exemplo, um advogado canalha, hospedado lá na “cela especial” por 20 anos. Ele ficará lá por 20 anos sem contribuir com nada para com a sociedade, a não ser lhe entregando a conta mensalmente para que seja paga.
E você educador? Quantas crianças você formou em 20 anos? Quantos são os pais que terão filhos bem-sucedidos por causa do seu trabalho? E quantas serão as crianças que lhe terão na memória até que partam desta vida? E como ficará o seu coração ao saber que formou verdadeiros cidadãos e que você continua vivo em suas memórias? Eu por exemplo trago vivamente na memória a minha primeiríssima educadora, aquela lá do início, paciente e dedicada, amante do seu ofício. Sei seu nome, sobrenome e o apelido pela qual ainda a chamo. Ela é a Tia Beth - Elizabeth José dos Santos. Creio que isso não tenha preço!
E o doutor, aquele lá do xadrez, a quantos libertou? A quantos defendeu? A ninguém! Aliás, está precisando de quem o defenda e de quem o liberte. Tem um diploma que não o defende e que não serve em favor dele mesmo! Não pode defender a si mesmo! Precisa que lhe defenda um outro que também tenha canudo, mas que seja bem-sucedido e não necessariamente bem remunerado, senão já era!
Mais triste é que é o “doutor” é conhecedor das leis, mas não pode usá-las em virtude do canudo, em sua própria defesa, está impedido, desautorizado, e se facilitar o título poderá ser perdido, cancelado e aí irá chorar amargamente. Sem contar que poderá ser conhecido globalmente por uma causa terrível.
Mas vocês não educadores! No exercício do vosso trabalho, estarão ensinando e aprendendo, incrementando vosso conhecimento, incrementando os relacionamentos, e o melhor: livres. Não livres apenas do xadrez, mas livres para tirarem seres humanos da prisão da ignorância para que possam alçar os voos mais altos.
Então, quando forem criticados por terem optado pelo ofício de educador, perguntem aos seus interlocutores como chegaram onde estão – se bem que muitos deles pensam, mas não chegaram tão longe assim – se gostariam de ter filhos analfabetos. Estou seguro de que irão querer doutores. Mas se vocês não entenderem isso serão apenas mais alguns educadores. Serão apenas números.
Como disse Marx: "tudo o que é sólido se desmancha no ar". Essa é uma metáfora que disse para fazer alusão a governos, ideologias, etc. que nasceram, vingaram, mas que também ruíram, assim como um ciclo. Esse é um dos sentidos.
Então veja: nascer, vingar e ruir, três ações ligadas a um ciclo evolutivo, e pensando no âmbito educacional, podemos compreender como:
NASCER: Necessário que alguém lance a semente e lhe traga ao mundo para que você o veja. Para vê-lo sozinho será, senão impossível, bastante complexo, pois não saberás interpretá-lo de imediato por si, sem que haja quem o indique.
VINGAR: Só será possível depois que enxergares o mínimo. É como a planta: precisa ter o mínimo da estrutura necessária para que possa se desenvolver. E se tivermos o mínimo isso quer dizer que temos o necessário para começarmos. E para vingarmos temos que regar-nos frequentemente. Regar-nos com a reflexão, com a investigação. Esse é o combustível!
RUIR: Impossível não passarmos por essa etapa a não ser que sejamos eternos, mas creio que não o somos. Nós nos ruiremos um dia, mas se estivermos bem preparados, melhor estruturados e articulados duraremos mais.
Assim, não fiquem mudos diante das críticas que lhes forem feitas, que ferem seus preceitos. Defendam-se, argumentem e sejam felizes educadores e gerem felizes cidadãos. Muitos dependem do vosso ofício!
¹ O autor é graduado em Geografia pela UERJ – Univ. do Estado do Rio de Janeiro e trabalha no segmento de Mídias Digitais e Comércio Eletrônico.
² Revista Época On-Line. Doutor Advogado e Doutor Médico: até quando? Publicado em 10 nov. 2012. Disponível em: http://glo.bo/UEl8rQ
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário aqui.